O SISTEMA DE SAÚDE INGLÊS E O SUS
BRASILEIRO: O que nos diferencia é recursos, gestão ou cultura?
Elisfábio Brito Duarte*
Recentemente, a Rede Record veiculou uma
interessantíssima reportagem sobre o sistema de saúde da Inglaterra, o National
Health Service. O pensamento resultante após acompanhar tal reportagem foi:
“como não ficar com água na boca contemplando a mostra de um país com um
sistema de saúde desse…”
As condições técnico-operacionais do sistema mostrado na
reportagem impressionam: tudo novinho, impecável… Unidades de saúde muito bem
equipadas e zero filas para atendimento. Médicos sendo remunerados inicialmente
a cerca de R$ 15.000,00 chegando a R$ 60.000,00 no final da carreira.
Remuneração isonômica em todas as regiões do país…
Um Governo que responde por mais de 80% do gasto em saúde
(No Brasil, o Governo responde por apenas 44% de todo o gasto em saúde). Sim… é
de encher os olhos. Mas – como diz o senso comum – isso não é para quem
(apenas) quer, não; é para quem pode. E a Inglaterra pôde. E a nós, que
almejamos aquilo que já é realidade cotidiana e generalizada por lá, sobrevém,
inescapavelmente, pensamentos-questionamentos da ordem do “o que eles têm que
nós não temos?”…
Adentrando, ousadamente, nesse exercício mental, penso
que não existem unidades de saúde bem equipadas e com profissionais de ponta,
praticamente “esperando” pacientes na Inglaterra, não apenas porque se gasta
muito em saúde lá e porque a gestão do sistema é eficaz, não… Creio que isso, à
luz dos fatos e dos resultados em saúde alcançados pelos ingleses, é bem
verdadeiro, não sendo, porém a explicação máter. A questão primordial e
central, a meu ver, é a seguinte: O nível cultural alcançado pelo povo inglês
faz com que aquela população adoeça muito, muito pouco (como ocorre em outras
partes do mundo). É inversamente proporcional a relação nível
cultural/comportamental X índices de morbimortalidade.
Ultimamente, tem ganhado corpo por aqui a discussão sobre
qual fator melhor explica nossa falta de resultados desejados em relação ao
nosso Sistema Único de Saúde – SUS. Logicamente, no tocante aos resultados
ainda não alcançados – uma vez que o SUS tem, sim, muitos resultados a
apresentar –, a sociedade brasileira ainda, por vezes, experimenta aquilo que
podemos chamar de “sensação térmica de desassistência” em algumas áreas. Pois
bem, nessa discussão sobre a qual fator devemos essa “sensação”, é comum surgir
a previsível discussão sobre o que pesa mais nos fatores de insucesso do SUS: o
subfinanciamento x a má gestão.
Não desejando discutir o mérito dessa discussão neste
texto e reportando-me à peça jornalística citada, penso que em países ainda não
suficientemente desenvolvidos do ponto de vista cultural, como o Brasil, por
exemplo, ainda que se chegasse a investir proporcionalmente os mesmos volumes
de recursos financeiros e adotarem-se os melhores métodos de gestão da
Inglaterra, ainda assim, não teríamos os mesmos resultados. E a razão principal
para isso, a meu juízo, é que é a evolução educacional/cultural de um povo que
torna os investimentos possíveis no seu sistema de saúde suficientes para
atender a uma demanda razoável pelos serviços de saúde.
Nossa realidade, mesmo onde há maciços investimentos
financeiros e bons métodos de gestão empregados, dão prova inequívoca disso. É
possível observar que, em dadas realidades, mesmo a estruturação de unidades de
ponta com serviços de saúde de ponta não elimina efetivamente a “sensação”. O
que ocorre é que a demanda pressionando tais serviços se torna
“estratosférica”, a partir da afluência em massa da população para tais
unidades, as quais, logo, logo, têm sua ambiência tornada caótica. É o velho e conhecido
problema da sobrecarga extrema sobre os serviços, de sorte que mesmo as mais
modernas e aparelhadas unidades de saúde montadas, logo, logo, entram na
cultura do corredor abarrotado.
Nessa análise, certamente se dirá (não sem razão) que o
problema se deve à demanda reprimida e à falta de unidades similares
distribuídas de forma estratégica pelo espaço territorial do sistema de saúde.
Bem, pode ser, mas o problema da pressão extrema sobre serviços de saúde não é
dissipável através de transferências bancárias e canetadas de gestores, apenas.
Pouco adiantará ter recursos e processos de gestão que
propiciem expandir unidades e montar serviços de saúde se os aspectos culturais
e comportamentais da população continuarem a multiplicar, desenfreadamente, demandas
massacrantes para esses mesmos serviços. A título de exemplo, montar serviços
qualificados de atenção à saúde nas áreas da atenção básica,
urgência/emergência e saúde mental pouco adiantará se a população, em
contrapartida, não se corresponsabilizar através da promoção de hábitos
saudáveis e do autocuidado, da promoção de uma cultura de paz e não violência e
do papel social da família em proteger seus jovens do agravo dos entorpecentes.
E por aí vai…
A discussão sobre o binômio melhor financiamento / melhor
gestão continua e permanecerá tema atual, mas, além disso, precisamos discutir,
buscar e fomentar o aprimoramento social/educacional/cultural de nosso povo. Só
assim, poderemos ter um sistema de saúde que tenha sobre si uma demanda
razoável e “atendível”. Do contrário, o binômio, por si só, não resolverá, e o
sistema público de saúde tenderá a ser um buraco-negro a consumir recursos e
energia e o que é pior, gerando insatisfações.
*Professor e Administrador. Especialista em Gestão de Sistemas de Saúde. Especialista em Gestão de Serviços de Saúde.
PARTE DO COMENTÁRIO DE UM LEITOR
"A questão cultural é latente. O nosso povo não consegue
sequer saber exercer cidadania. Veja por exemplo a dificuldade de participação
da sociedade civil (des) organizada na efetivação do controle social. Formar um
Conselho nos pequenos municípios não é fácil. Já ouvi o absurdo de uma
Conselheira de Saúde indicada e eleita em Conferencia de Saúde, pedir
posteriormente para retirar o seu nome, porque não seria remunerada
financeiramente.
Instituir a cultura do autocuidado é outro dilema. É
premente o incentivo à Intersetorialidade, principalmente Educação e Saúde, que
precisam passar a caminhar de mãos dadas. Um povo sem Educação com certeza não
tem Saúde [...]" (Edson A. Oliveira). .