Por que as vacinas são tão
importantes?
Natalia
Pasternak Taschner*
O ano era 1922. Duas
crianças de uma mesma família morreram no mesmo dia. Anna Ivene Miller, com
dois anos e meio, e Stanley Lee Miller, que tinha acabado de fazer um ano,
foram vítimas de caxumba, sarampo e coqueluche, simultaneamente. As outras
crianças da família, um total de cinco, também adoeceram, mas sobreviveram.
Essa situação era comum nos anos 20. Uma em cada cinco
crianças morria de alguma doença infecciosa antes de completar 5 anos. Hoje não
imaginamos como essas doenças eram cruéis. Não podemos imaginar a dor de perder
dois filhos para doenças tão facilmente prevenidas com vacinas. Quantas
gerações já se passaram desde tragédias como a da família Miller nos EUA?
Quem morre de sarampo ou caxumba hoje em dia? Graças às
vacinas, doenças terríveis e altamente contagiosas foram quase erradicadas.
Algumas, como a varíola, o foram de fato.
Como explicar então que, apesar disso, existem grupos
professando religiosamente um movimento contra a vacinação? Como entender que
possa haver famílias que deliberadamente escolhem não vacinar seus filhos
contra essas doenças terríveis e tão temidas no passado?
Em 1998, um médico chamado Andrew Wakefield publicou um
estudo relacionando autismo em crianças com a vacina MMR – a tríplice viral,
que protege contra sarampo, caxumba e rubéola. Seu estudo tinha apenas 12
pacientes e nenhum fundamento científico. Ele afirmava categoricamente que a
vacina era a causa do autismo de seus pacientes. Anos depois, descobriu-se que
não somente o estudo era uma fraude, com todos os dados forjados, como também
que o estimado doutor havia sido financiado por um advogado que pretendia
lucrar milhões processando os fabricantes de vacina, e que ele mesmo pretendia
patentear uma nova vacina para substituir a MMR. Wakefield nunca foi contra
vacinas, ele apenas queria vender sua própria vacina exclusiva contra sarampo!
O médico foi julgado na Inglaterra e considerado culpado de fraude e
conspiração. A revista retirou o estudo e se retratou; Wakefield teve sua
licença cassada e foi demitido do instituto onde trabalhava.
“(…) nos anos 20. Uma em cada cinco crianças morria de alguma doença
infecciosa antes de completar 5 anos”.
Ainda assim, ele conquistou seguidores no mundo todo,
principalmente nos EUA, onde teve início um movimento antivacinação sem
precedentes na história. Por causa de um estudo falso, hoje milhares de pessoas
estão convencidas de que vacinas, como um todo – e não somente a MMR – são a
causa do autismo. O número de crianças não vacinadas está crescendo. Doenças
antigas, quase erradicadas, estão reemergindo. Em 2004, na Inglaterra, houve o
primeiro surto de sarampo, e a primeira morte pela doença, em 17 anos. Em 2013
ocorreu outro surto de sarampo na Califórnia, EUA.
Casos isolados de poliomielite e coqueluche têm sido
reportados. No Brasil, em 2014, registraram-se dois casos de coqueluche em uma
família de classe alta em São Paulo, nos quais as crianças não haviam sido
vacinadas por escolha dos pais, que temiam o desenvolvimento de autismo e
tumores! A filha mais velha, de 6 anos, contraiu a doença e a transmitiu para
sua irmã de apenas 6 meses. A bebê estava na UTI lutando por sua vida, enquanto
a mãe declarava que a mais velha sofreu semanas com intensa falta de ar.
Em abril de 2017, 200 pessoas ficaram em quarentena em
Minnesota, EUA, após 12 casos de sarampo serem notificados em apenas duas
semanas, todos em crianças não vacinadas com menos de 6 anos. Enquanto isso, do
outro lado do oceano, em Portugal, uma moca de 17 anos morria de sarampo,
decorrente de um surto, como outros que vêm ocorrendo na Europa.
“E recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma reportagem
muito preocupante mostrando o avanço do movimento antivacinação no Brasil. O
mais surpreendente da reportagem é o fato de que famílias que escolhem não
vacinar seus filhos reportam abertamente que usam, como fonte de informação, as
redes sociais!”.
Vale a pena lembrar, pois, como era o mundo antes das
vacinas. Para as mães que alegam que seus filhos são “saudáveis” e portanto não
precisam de vacinas, cabe o questionamento de se as crianças do passado por
acaso eram menos saudáveis do que as nossas, já que adoeciam – e morriam – das
mais diversas doenças infecciosas. E casos isolados reportando que seus filhos
nunca tomaram vacinas e nem por isso adoeceram mostram um total desconhecimento
do conceito de imunidade de rebanho, ou seja, se todas as outras crianças estão
vacinadas, a doença não circula, e uma ou outra que não receber a vacina estará
protegida. Adivinha o que acontece quando a imunidade de rebanho diminui? A
doença volta a circular e ocorrem surtos, nos quais pessoas não vacinadas
estarão suscetíveis.
Antes de a vacina de Jonas Salk para poliomielite ser
testada em 1952, aproximadamente 20 mil casos eram reportados por ano, só nos
EUA. No ano de 1952, particularmente, os casos chegaram em 58 mil. Hoje, depois
das vacinas Salk e Sabin, a pólio foi praticamente erradicada nas Américas e
Europa, sendo que os poucos casos restantes advêm de regiões sem acesso às
mesmas, na Ásia e na África.
Crianças acometidas pela pólio, mesmo quando sobreviviam,
ficavam paralíticas, com retardo mental, ou, na melhor das hipóteses, passavam
meses em respiradores artificiais, os “pulmões de aço”.
Nos EUA, antes da vacina contra sarampo, havia
aproximadamente de três a quatro milhões de casos por ano, e uma média de 450
mortes por ano, registradas entre 1953 e 1963. Após a introdução da vacina,
nenhum caso foi reportado até 2004 – quando a vacinação começou a ser
questionada. Meningite era uma doença que matava em média 600 crianças por ano,
e deixava sobreviventes com sequelas como surdez e retardo mental. Antes da
vacina de coqueluche, quase todas as crianças contraíam a doença, com
aproximadamente 150 a 260 mil casos reportados anualmente, com nove mil mortes.
Desde 1990, apenas 50 casos ao todo foram reportados.
Rubéola é uma doença relativamente banal em adultos, mas
pode acometer gravemente crianças ao nascer, se a mãe for contaminada durante a
gestação. O resultado pode incluir defeitos cardíacos, problemas de visão,
surdez e retardo mental. Em 1964, antes da imunização, 20 mil bebês nasciam de
mães infectadas. Desses, 11 mil eram surdos, quatro mil cegos e 1.800
apresentavam retardo mental.
Além desses exemplos, podemos citar doenças como
tuberculose, catapora, caxumba, hepatite B e difteria, que foram controladas
com vacinas eficazes, mas que acometeram e mataram milhares de pessoas no
passado.
Recentemente, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma
reportagem muito preocupante mostrando o avanço do movimento antivacinação no
Brasil. O mais surpreendente da reportagem é o fato de que famílias que
escolhem não vacinar seus filhos reportam abertamente que usam, como fonte de
informação, as redes sociais!
As vacinas nos protegem contra doenças terríveis, capazes de
causar sofrimento, sequelas e morte. Este fato não pode ser refutado. Há 60
anos as vacinas têm se mostrado eficazes e seguras. Aqui estão alguns
argumentos normalmente encontrados na internet:
Sarampo e coqueluche não são doenças sérias. Mesmo no surto
da Califórnia de 2013, nenhuma criança morreu. Em geral, realmente sarampo não
é uma doença séria. Em alguns casos, no entanto, pode gerar sequelas e até
matar. Além disso, é uma doença debilitante que causa bastante dor e
sofrimento. No surto de 2004, na Inglaterra, houve morte. Coqueluche não costuma
ser grave em adultos, mas costuma ser fatal em crianças pequenas e bebês.
Cada pai e mãe tem o direito de escolher se seus filhos
serão vacinados ou não. Que diferença isso faz para os demais? Quem quiser que
vacine os seus! Não é bem assim. Algumas vacinas só imunizam a partir da
terceira ou quarta dose, quando a criança está com 5 ou 6 anos. Ter uma
população vacinada protege os bebês e crianças pequenas porque impede a
disseminação da doença. Protege também pessoas imunocomprometidas que não podem
ser vacinadas. É o que chamamos de imunidade de rebanho, como já mencionado. Se
você escolhe não vacinar seu filho e, aos 6 anos, ele contrai uma doença, e por
sua vez contamina o meu bebê de 6 meses que ainda não foi vacinado porque não
tem idade, a sua escolha pessoal está afetando a minha família. E meu bebê pode
morrer porque você não vacinou seus filhos e permitiu que eles tivessem contato
com a minha família. Eu não compartilho da sua escolha, mas sou afetada por
ela. Portanto, se você optar por não vacinar seu filho, não reclame depois se
ele não for aceito em alguma escola que exija calendário da vacinação completo,
ou se sofrer algum processo judicial. Além disso, tenha consciência de que a
sua escolha pessoal, baseada em boatos e estudos sem comprovação científica,
está colocando a vida de outras pessoas em risco.
Antes de 1940 não existia autismo. Depois das vacinas, os
casos de autismo começaram a aparecer. Antes de 1940 também não existia
televisão, DDT, poluentes, gordura trans, muitos dos pesticidas utilizados
hoje, alimentos processados, conservantes, adoçantes artificiais, computador e
celulares, rock and roll, feminismo, etc. NÃO estou absolutamente sugerindo que
qualquer um desses possa “causar” autismo. Mas nem toda coincidência de fatos
indica relação de causa e efeito. Além disso, o critério para diagnóstico de
autismo foi alterado para incluir uma gama de novos transtornos, e o próprio
diagnóstico melhorou muito desde 1940, contribuindo para o aumento das
estatísticas.
O mercúrio nas vacinas é neurotóxico. Não existem evidências
de que o mercúrio presente nas formulações vacinais cause autismo ou qualquer
outra doença neurológica. Além disso, não se usa mais mercúrio desde 2001. Se
houvesse uma relação direta, os números de autismo teriam automaticamente sido
reduzidos desde então.
O atual calendário vacinal tem um número muito elevado de
antígenos e pode comprometer o sistema imune “natural” das crianças, por
sobrecarga. As crianças são expostas a milhares de antígenos o tempo todo,
desde o nascimento. As vacinas contribuem com aproximadamente 300 antígenos até
dois anos de idade, de acordo com dados do CDC. Esses antígenos usariam 0,1% do
sistema imune. Além disso, as vacinas mais modernas são feitas com subunidades,
ou seja, contêm apenas “pedaços” de vírus ou bactérias, utilizando ainda menos
antígenos do que se a criança fosse infectada normalmente. Portanto, novamente,
se houvesse uma relação direta com o número de antígenos e os casos de autismo,
esses teriam automaticamente sido reduzidos com as novas formulações vacinais.
E isso não aconteceu.
Tenho a impressão de que as famílias que optam por não
vacinar seus filhos não têm a menor noção do incrível potencial de morte e
sofrimento que as doenças infecciosas possuem, e que causaram no passado. As
pessoas esqueceram como era viver sem vacinas. Espero que possamos lembrá-las:
uma criança em cada cinco morria. O mundo antes das vacinas não me parece um
local muito alentador. Eu não gostaria de voltar para lá.
* Natalia Pasternak
Taschner é pesquisadora do Instituto de Ciências Biomédicas da USP.