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sábado, 18 de junho de 2016

PARA REFLETIR


O SISTEMA DE SAÚDE INGLÊS E O SUS BRASILEIRO: O que nos diferencia é recursos, gestão ou cultura?
Elisfábio Brito Duarte*


Recentemente, a Rede Record veiculou uma interessantíssima reportagem sobre o sistema de saúde da Inglaterra, o National Health Service. O pensamento resultante após acompanhar tal reportagem foi: “como não ficar com água na boca contemplando a mostra de um país com um sistema de saúde desse…”

As condições técnico-operacionais do sistema mostrado na reportagem impressionam: tudo novinho, impecável… Unidades de saúde muito bem equipadas e zero filas para atendimento. Médicos sendo remunerados inicialmente a cerca de R$ 15.000,00 chegando a R$ 60.000,00 no final da carreira. Remuneração isonômica em todas as regiões do país…

Um Governo que responde por mais de 80% do gasto em saúde (No Brasil, o Governo responde por apenas 44% de todo o gasto em saúde). Sim… é de encher os olhos. Mas – como diz o senso comum – isso não é para quem (apenas) quer, não; é para quem pode. E a Inglaterra pôde. E a nós, que almejamos aquilo que já é realidade cotidiana e generalizada por lá, sobrevém, inescapavelmente, pensamentos-questionamentos da ordem do “o que eles têm que nós não temos?”…

Adentrando, ousadamente, nesse exercício mental, penso que não existem unidades de saúde bem equipadas e com profissionais de ponta, praticamente “esperando” pacientes na Inglaterra, não apenas porque se gasta muito em saúde lá e porque a gestão do sistema é eficaz, não… Creio que isso, à luz dos fatos e dos resultados em saúde alcançados pelos ingleses, é bem verdadeiro, não sendo, porém a explicação máter. A questão primordial e central, a meu ver, é a seguinte: O nível cultural alcançado pelo povo inglês faz com que aquela população adoeça muito, muito pouco (como ocorre em outras partes do mundo). É inversamente proporcional a relação nível cultural/comportamental X índices de morbimortalidade.

Ultimamente, tem ganhado corpo por aqui a discussão sobre qual fator melhor explica nossa falta de resultados desejados em relação ao nosso Sistema Único de Saúde – SUS. Logicamente, no tocante aos resultados ainda não alcançados – uma vez que o SUS tem, sim, muitos resultados a apresentar –, a sociedade brasileira ainda, por vezes, experimenta aquilo que podemos chamar de “sensação térmica de desassistência” em algumas áreas. Pois bem, nessa discussão sobre a qual fator devemos essa “sensação”, é comum surgir a previsível discussão sobre o que pesa mais nos fatores de insucesso do SUS: o subfinanciamento x a má gestão.

Não desejando discutir o mérito dessa discussão neste texto e reportando-me à peça jornalística citada, penso que em países ainda não suficientemente desenvolvidos do ponto de vista cultural, como o Brasil, por exemplo, ainda que se chegasse a investir proporcionalmente os mesmos volumes de recursos financeiros e adotarem-se os melhores métodos de gestão da Inglaterra, ainda assim, não teríamos os mesmos resultados. E a razão principal para isso, a meu juízo, é que é a evolução educacional/cultural de um povo que torna os investimentos possíveis no seu sistema de saúde suficientes para atender a uma demanda razoável pelos serviços de saúde.

Nossa realidade, mesmo onde há maciços investimentos financeiros e bons métodos de gestão empregados, dão prova inequívoca disso. É possível observar que, em dadas realidades, mesmo a estruturação de unidades de ponta com serviços de saúde de ponta não elimina efetivamente a “sensação”. O que ocorre é que a demanda pressionando tais serviços se torna “estratosférica”, a partir da afluência em massa da população para tais unidades, as quais, logo, logo, têm sua ambiência tornada caótica. É o velho e conhecido problema da sobrecarga extrema sobre os serviços, de sorte que mesmo as mais modernas e aparelhadas unidades de saúde montadas, logo, logo, entram na cultura do corredor abarrotado.

Nessa análise, certamente se dirá (não sem razão) que o problema se deve à demanda reprimida e à falta de unidades similares distribuídas de forma estratégica pelo espaço territorial do sistema de saúde. Bem, pode ser, mas o problema da pressão extrema sobre serviços de saúde não é dissipável através de transferências bancárias e canetadas de gestores, apenas.

Pouco adiantará ter recursos e processos de gestão que propiciem expandir unidades e montar serviços de saúde se os aspectos culturais e comportamentais da população continuarem a multiplicar, desenfreadamente, demandas massacrantes para esses mesmos serviços. A título de exemplo, montar serviços qualificados de atenção à saúde nas áreas da atenção básica, urgência/emergência e saúde mental pouco adiantará se a população, em contrapartida, não se corresponsabilizar através da promoção de hábitos saudáveis e do autocuidado, da promoção de uma cultura de paz e não violência e do papel social da família em proteger seus jovens do agravo dos entorpecentes. E por aí vai…

A discussão sobre o binômio melhor financiamento / melhor gestão continua e permanecerá tema atual, mas, além disso, precisamos discutir, buscar e fomentar o aprimoramento social/educacional/cultural de nosso povo. Só assim, poderemos ter um sistema de saúde que tenha sobre si uma demanda razoável e “atendível”. Do contrário, o binômio, por si só, não resolverá, e o sistema público de saúde tenderá a ser um buraco-negro a consumir recursos e energia e o que é pior, gerando insatisfações. 
*Professor e Administrador. Especialista em Gestão de Sistemas de Saúde. Especialista em Gestão de Serviços de Saúde.



PARTE DO COMENTÁRIO DE UM LEITOR

"A questão cultural é latente. O nosso povo não consegue sequer saber exercer cidadania. Veja por exemplo a dificuldade de participação da sociedade civil (des) organizada na efetivação do controle social. Formar um Conselho nos pequenos municípios não é fácil. Já ouvi o absurdo de uma Conselheira de Saúde indicada e eleita em Conferencia de Saúde, pedir posteriormente para retirar o seu nome, porque não seria remunerada financeiramente.
Instituir a cultura do autocuidado é outro dilema. É premente o incentivo à Intersetorialidade, principalmente Educação e Saúde, que precisam passar a caminhar de mãos dadas. Um povo sem Educação com certeza não tem Saúde [...]" (Edson A. Oliveira). .



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