Quem constrói a sua história?
Drª.
Meira Souza*
Muitas
vezes nossa racionalidade nos faz esquecer que, em essência, somos animais, e,
como todos eles, às vezes, chegar perto demais pode ser perigoso. Demorei muito
tempo para entender isso, no entanto, várias vezes ainda me pego caindo nesta
mesma armadilha.
Sempre que pergunto ao meu paciente os motivos de ele ter adoecido corro o
risco de não o ver mais; muitas vezes esta pergunta toca em alguma ferida
profunda e quem se dói diversas vezes corre ou “morde”.
Se implicar como responsável por algo de ruim que te ocorre é no mínimo
desconfortável = e eu entendo isso - culpar uma força externa pelos males que
nos afetam parece de certa forma um tipo de cuidado.
“Sim, este mal me ocorreu, mas não fui eu que me fiz sofrer.”
A dor, além de tudo, é impaciente. Os anos de adoecimento que levaram a
determinado quadro, precisam ser resolvidos em dias, quiçá horas.
Muitos pacientes se aproximam de mim e verbalizam com clareza: “doutora, não
quero entender nada, só quero que essa dor passe. Por favor me dê um remédio
que faça ela ir embora.” Sensibilizo-me muito com estas histórias, e, por vezes, até choro.
No entanto, não é dessa maneira que o corpo funciona, o paciente que chega a
mim com quadro de dor extrema, em quase 100% das vezes já chega ao meu
consultório com doses altas de medicação; quanto mais forte for o remédio que
eu der para ele, mais seu corpo necessitará, e ele não estará isento de nenhum
efeito colateral.
A medicina não tem remédio para todas as dores, meu trabalho é regido sobre
essa máxima. A maior parte de qualquer saúde é construída na rotina, e não no
consultório. O mundo que desejo é um no qual a saúde seja mais democrática, não uma
ferramenta de lucro; esperamos a doença acontecer, pois é muito mais lucrativo
tratá-la que preveni-la.
Gostaria de observar uma realidade diferente das clínicas de dor.
Remédios deveriam ser ferramentas para construir uma saúde melhor.
Deveriam sim, entrar na vida de pacientes, mas nunca sem previsão de saída.
Ser o protagonista de sua saúde é entender que você é o seu vilão e seu herói
em todos os momentos. Mesmo que precise de ajuda ou orientação de algum
“mestre”, só você é capaz de construir sua própria jornada de uma vida digna e
feliz.
*Dra. Meira Souza é responsável pela
clínica de dor do Instituto de Ortopedia e Traumatologia. É autora dos livros:
“Obesidade: vire essa página da sua vida com qualidade de vida”, “O Reino
encantando dos alimentos”, “Viva bem com a coluna que tem”. É também
palestrante sobre os temas que atua. É responsável pela coluna Construindo
saúde na TV BH News, no programa Revista BH News, que explora temas ligados à
saúde apresentando dicas e fatos cotidianos que possam ajudar na construção da
saúde dos telespectadores. Esta crônica foi publicada no jornal “O
Tempo”. O próximo livro da autora "Emagre-Ser" está sendo
editado pela editora Autêntica.
Contato com este blog: conslocsaudepompeia@gmail.com.