Nota contra a proposta de desmonte da Rede de Atenção Psicossocial.
Entidades se manifestam contra a proposta do
Ministério da Saúde de desmonte da Rede de Atenção Psicossocial.
O percurso da Reforma Psiquiátrica Brasileira é de sucesso, centrado no fechamento de leitos monovalentes e na abertura de serviços comunitários. Apesar do subfinanciemtno permanente e da falta de cobertura de alguns equipamentos, tem conseguido oferecer ampla assistência para as pessoas com problemas de saúde mental ao longo e ao largo do pais.
A proposta de mudanças na Política de Saúde
Mental que está sendo planejada pelo Ministério da Saúde (MS), sob influência
da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e que vem acompanhada da ameaça
de revogação de portarias importantes, é mais um grave retrocesso imposto por
este governo. Os significantes “moderno” e “baseado em evidências científicas”,
repetidos à exaustão na minuta apresentada, tornam-se patéticos na intenção de
convencimento de que essa “nova política” se opõe a uma política anterior que
seria arcaica e ideológica. Quem são os arcaicos e ideológicos que querem fazer
o país andar para trás “20 anos em dois”?
A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) não
está centrada em apenas um serviço, o Centro de Atenção Psicossocical (CAPS),
já que o cuidado em rede proposto inclui a articulação de diversos serviços da
saúde e intersetoriais. Na portaria 3088 de 2011, a Atenção Primária à Saúde
também é alçada a um lugar estratégico, fortalecendo a importância de ações
territoriais e comunitárias, na luta contra a segregação e o afastamento
comunitário das pessoas com problemas mentais. Os Nucleos de Apoio à Saúde da
Família (NASF) e o apoio matricial são dispositivos de integração de rede
importantíssimos.
A RAPS é a rede mais complexa e diversa do
SUS: não só inclui serviços diferentes, como assume que é responsabilidade da
saúde reparar danos históricos causados, de forma iatrogênica, à vida daqueles que
que foram confinados em manicômios. Deliberadamente, a RAPS não inclui os
hospitais psiquiátricos, em função das inúmeras publicações nacionais e
estrangeiras que ao longo da história atestaram sua ineficácia, bem como a
persistência de violações dos direitos humanos dos internados, características
agora estendidas às comunidades terapêuticas, como têm comprovado recentes
relatórios e denúncias públicas.
O modelo de assistencial multiprofissional da
RAPS possui enorme consistência epistemológica e tem sido elogiado e
reconhecido internacionalmente como uma das potências e originalidades de nosso
sistema e de seus serviços de base comunitária e territorial .
Há um número expressivo de publicações, nos
últimos 15 anos, dedicadas a produzir evidências sobre o papel dos serviços da
RAPS, várias delas indicando claramente o avanço do tratamento de base
territorial-comunitária em comparação ao tratamento em hospitais psiquiátricos,
especialmente na percepção dos seus usuários e familiares. Inclusive, com
redução nas taxas de hospitalização e das taxas de suicídio em municípios que
implantaram CAPS e, principalmente, naqueles que lograram, apesar do
subfinanciamento da área, estruturar uma forte e diversificada rede de
serviços, como preconizado na Lei 10.216/2001.
O aumento de manifestações de angústia e
sintomas de mal estar psíquico causado pela pandemia (inclusive de
manifestações mais graves e de ideação suicida) não deve ser submetido a um
furor patologizante e medicalizador. Essas pessoas precisam de escuta e,
algumas, de cuidado especializado. Para tanto, o SUS e a saúde mental precisam,
sim, e urgentemente, de mais recursos. O tratamento adequado não poderá
desconsiderar os avanços democráticos, nem retirar os principais interessados
do palco de decisões, priorizando uma visão tecnocrática anacrónica, enviesada
e distorcida por interesses comerciais e corporativos, que nega os avanços
obtidos pela saúde mental brasileira, que colocou as pessoas como foco da
atenção e do interesse da política pública.
Por todo o exposto, repudiamos veementemente
toda e qualquer tentativa de retrocesso do modelo comunitário de assistência à
Saúde Mental. Repudiamos a proposta apresentada pelo MS com base nas diretrizes
de uma única associação profissional, porque defendemos o SUS, a RAPS e o
direito das pessoas serem tratadas em liberdade, com pleno usufruto dos
direitos humanos, e apostamos na construção coletiva e democrática das
políticas públicas.
Além disso, qualquer discussão relacionada à
atual Política Nacional de Saúde Mental deve envolver outros atores
fundamentais, inclusive o controle social, representado pelo Conselho Nacional
de Saúde e pelo Conselho Nacional de Assistência Social.
Assinam:
Abrasco – Associação Brasileira de Saúde
Coletiva
ABrES – Associação Brasileira de Economia da
Saúde
Cebes – Centro Brasileiro de Estudos de Saúde
Associação Rede Unida
SBB – Sociedade Brasileira de Bioética.
Contato com este blog: conslocsaudepompeia@gmail.com .
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