CONHEÇA A HISTÓRIA DA
SAÚDE PÚBLICA
NO BRASIL
Você tem ideia de como era o sistema de saúde pública antes do SUS? Ou
antes de existirem os planos de saúde? Hoje, dos 200 milhões de habitantes no
Brasil, ¾ são diretamente dependentes do sistema público de saúde – o outro
quarto, isto é, os outros 51 milhões usam a chamada saúde suplementar. O SUS
veio da evolução de um direito chamado direito à saúde, que há pouco tempo foi
definitivamente estabelecido no Brasil. Vamos entender como foi a história da
saúde pública e como chegamos onde estamos?
LINHA DO TEMPO: A
HISTÓRIA DA SAÚDE PÚBLICA NO BRASIL
Com 518 anos de história brasileira – contados a partir da
vinda dos portugueses –, as políticas de saúde sofreram diversas mudanças.
Quais foram os momentos decisivos com relação à saúde no Brasil? Quando o
Estado passou a agir? E, enquanto não agia, quais eram os responsáveis pelos
cuidados médicos da população? Entenda a linha do tempo da saúde pública no
Brasil:
Colonização e Império: pouco – ou nada – feito em relação à
saúde pública no Brasil
Como se sabe, antes da chegada de europeus em território brasileiro,
os povos indígenas já o habitavam há centenas de anos. Os povos indígenas já
tinham enfermidades, mas com a colonização portuguesa tudo piorou,
principalmente pela conhecida expressão usada em aulas sobre a história do
Brasil: as “doenças de branco”. Doenças comuns na Europa, que não existiam no
Brasil, acabaram sendo trazidas. O ponto de atenção é de que os indígenas não
tinham imunidade para elas e a consequência foi a morte de milhares deles.
Durante os 389 anos de duração da Colônia e do Império,
pouco ou nada foi feito com relação à saúde. Não havia políticas públicas
estruturadas, muito menos a construção de centros de atendimento à população.
Além disso, o acesso a tratamentos e cuidados médicos dependia da classe
social: pessoas pobres e escravos viviam em condições duras e poucos
sobreviviam às doenças que tinham. As pessoas nobres e colonos brancos, que
tivessem terras e posses, tinham maior facilidade de acesso a médicos e
remédios da época. Portanto, suas chances de sobrevivência eram maiores.
Com a chegada da Família Real portuguesa ao Brasil, em 1808,
e a sua vontade em desenvolver o Brasil para que se aproximasse da realidade
vivida em Portugal, uma das primeiras medidas foi a fundação de cursos
universitários. Foram criados cursos de Medicina, Cirurgia e Química, sendo os
pioneiros: a Escola de Cirurgia do Rio de Janeiro e o Colégio Médico-Cirúrgico
no Real Hospital Militar de Salvador. Assim, aos poucos, os médicos
estrangeiros foram substituídos por médicos brasileiros, ou formados no Brasil.
Caridade, filantropia
e saúde: o papel das Santas Casas de Misericórdia
A ligação entre entidades religiosas e tratamentos de saúde
é bastante forte e existe desde a colonização do Brasil. Movimentos da Igreja
Católica, da Igreja Protestante, da Igreja Evangélica, da Comunidade Espírita,
entre outras, chegam a ter 2.100 estabelecimentos de saúde espalhados por todo
o território brasileiro, de acordo com a Confederação de Santas Casas de
Misericórdia (CMB).
As Santas Casas de Misericórdia são uma dessas entidades que
se destinaram a prestar assistência médica às pessoas. As santas casas foram,
durante décadas, a única opção de acolhimento e tratamento de saúde para quem
não tinha dinheiro. Elas eram fundadas pelos religiosos e, num primeiro momento,
conectadas com a ideia de caridade – entre o século XVIII e o ano de 1837.
Sobre seu financiamento, a CMB explica: “desde sua origem,
até o início das relações com os governos (especialmente na década de 1960), as
Santas Casas foram criadas e mantidas pelas doações das comunidades, vivendo
períodos áureos, em que construíram seus patrimônios, sendo boa parte destes
tombados como patrimônio histórico.”
De acordo com a Confederação das Santas Casas de
Misericórdia do Brasil, o surgimento das primeiras santas casas coincidiu já
com o “descobrimento” do Brasil. Elas foram criadas antes mesmo de o país se
organizar juridicamente e determinar as funções do Estado – a organização
jurídica brasileira ocorreu, de fato, com a Constituição Imperial de 1824.
Antes da Constituição de 1824, algumas das santas casas no
Brasil eram: as Santas Casas de Santos (1543), Salvador (1549), Rio de Janeiro
(1567), Vitória (1818), São Paulo (1599), João Pessoa (1602), Belém (1619),
entre diversas outras.
De 1838 a 1940, as santas casas mudaram seu propósito e
começaram a agir por meio da filantropia, que é, de acordo com a CMB, uma forma
de “tornar a ajuda útil àqueles que dela necessitam”. Mais importante do que
bens, a filantropia seria a orientação das pessoas e a preocupação com o seu
bem-estar futuro.
Independência ou
morte? Mudanças nas políticas de saúde durante o Império
Em 1822, D. Pedro II declara a independência brasileira com
relação a Portugal bradando: “Independência ou morte!”. Relacionando o bordão
com a saúde pública, pode-se dizer que houve avanços durante o período imperial
– de acordo com o Dr. Dráuzio Varella, pouco eficazes.
Além de transformar escolas em faculdades, D. Pedro II criou
órgãos para vistoriar a higiene pública principalmente na nova capital
brasileira, o Rio de Janeiro. A cidade, além de sofrer diversas mudanças
urbanas, como calçamento de ruas e iluminação pública, também visava a
higienizar o centro urbano – de maneira sanitária e social. Social, pois
expulsava do centro da cidade os casebres e as pessoas de classe social mais
inferior, proliferando então o desenvolvimento de favelas nas áreas
periféricas.
A higienização sanitária deveria ocorrer por conta das
recorrentes endemias de febre amarela, peste bubônica, malária e varíola, doenças
associadas à falta de saneamento básico e de higiene. Os esgotos, na época,
corriam a céu aberto e o lixo era depositado em valas. Assim, o alvo da
campanha pela saúde pública nesse princípio de século XIX foi estruturar o
saneamento básico.
Saúde pública na
República: as vacinas e os sanitaristas
Com a declaração do fim da escravidão em 1888, o país ficou
dependente de mão de obra imigrante para continuar no cultivo de insumos que
eram a base da economia brasileira, principalmente o café. Entre 1900 e 1920, o
Brasil ainda era refém dos problemas sanitários e das epidemias. Portanto, para
a recepção dos imigrantes europeus, houve diversas reformas urbanas e
sanitárias nas grandes cidades, como o Rio de Janeiro, em que houve atenção
especial às suas áreas portuárias. Para o governo, o crescimento do país
dependia de uma população saudável e com capacidade produtiva, portanto era de
seu interesse que sua saúde estivesse em bom estado.
Os sanitaristas comandaram esse período com campanhas de
saúde, sendo um dos destaques o médico Oswaldo Cruz, que enfrentou revoltas
populares na defesa da vacina obrigatória contra a varíola – na época, a
população revoltou-se com a medida, pois não foram explicados os objetivos da
campanha e do que se tratavam as vacinas. As ações dos sanitaristas chegaram
até o Sertão Nordestino, divulgando a importância dos cuidados com a saúde no
meio rural. Lá, porém, as pessoas eram muito pobres e continuavam em moradias
precárias, vitimadas por doenças mesmo com a disseminação de vacinas.
Ainda nos anos de 1920, foram criadas as CAPS: Caixas de
Aposentadoria e Pensão. Os trabalhadores as criaram para garantir proteção na
velhice e na doença. Posteriormente e devido à pressão popular, Getúlio Vargas
ampliou as CAPS para outras categorias profissionais, tornando-se o IAPS:
Instituto de Aposentadorias e Pensões.
Período Getulista: o
começo da organização das leis
Com a presidência de Getúlio Vargas, houve reformulações no
sistema a fim de criar uma atuação mais centralizada, inclusive quanto à saúde
pública. O foco de seu governo foi o tratamento de epidemias e endemias, sem
muitos avanços, pois os recursos destinados à saúde eram desviados a outros
setores – de acordo com o Dr. Dráuzio Varella, parte dos recursos dos IAPS ia
para o financiamento da industrialização.
A Constituição de 1934, promulgada durante o governo Vargas,
concedia novos direitos aos trabalhadores, como assistência médica e
“licença-gestante”. Além disso, a Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943, a
CLT, determina aos trabalhadores de carteira assinada, além do salário mínimo,
também benefícios à saúde.
Anos 50 e a 3ª
Conferência Nacional da Saúde
Em 1953, foi criado o Ministério da Saúde. Foi a primeira
vez em que houve um ministério dedicado exclusivamente à criação de políticas
de saúde, com foco principalmente no atendimento em zonas rurais, já que nas
cidades a saúde era privilégio de quem tinha carteira assinada.
As Conferências Nacionais de Saúde tiveram um papel muito
importante na consolidação do entendimento da importância da saúde pública no
Brasil – mais adiante, você entenderá por quê. A 3ª Conferência Nacional de
Saúde ocorreu no final de 1963 e apresentou diversos estudos sobre a criação de
um sistema de saúde. De acordo com o doutor em saúde pública Gilson Carvalho,
houve duas bandeiras principais nessa conferência:
1. A criação de um sistema de saúde para todos, o direito à
saúde deveria ser universal;
2. A organização de um sistema descentralizado, visando ao
protagonismo do município. Além disso, afirma que a ditadura militar, iniciada
em março de 1964, sepultou a proposta poucos meses depois.
A saúde pública
durante a ditadura militar (1964-1985)
A saúde sofreu com o corte de verbas durante o período de
regime militar e doenças como dengue, meningite e malária se intensificaram.
Houve aumento das epidemias e da mortalidade infantil, até que o governo buscou
fazer algo. Uma das medidas foi a criação do INPS, que foi a união de todos os
órgãos previdenciários que funcionavam desde 1930, a fim de melhorar o
atendimento médico.
Passou-se a enxergar a atenção primária de pacientes cada
vez mais como responsabilidade dos municípios; os casos mais complexos eram
responsabilidade dos governos estadual e federal. De acordo com o Dr. Gilson
Carvalho, houve “projetos privatizantes como o do Vale Consulta e para as
regiões mais pobres uma reedição da Fundação Sesp denominado Programa de
Interiorização de Ações e Serviços de Saúde (Piass). O Piass não se implantou
por falta de vontade política dos governos à época. Tinha mais virtudes que
defeitos. Faltou interesse público para levá-lo à frente.”
Durante os anos de 1970, mesmo no auge do milagre econômico,
as verbas para saúde eram baixas: 1% do orçamento geral da União. Ao fim da
década, as prefeituras das cidades que mais cresciam começaram a se organizar
para receber e conceder aos migrantes algum tipo de atendimento na área da
saúde. Começou-se a estruturar políticas públicas que envolveram as Secretarias
Municipais de Saúde, que depois se estenderam aos estados e a ministérios, como
os Ministérios da Previdência Social e da Saúde.
Anos 80 e o princípio
da saúde pública como direito
O Movimento
Sanitarista e a 8ª Conferência Nacional de Saúde
O movimento sanitarista foi de importância ímpar ao
entendimento de saúde pública, do conceito de saúde e também da evolução do
direito à saúde no Brasil. A reforma sanitária se refere às ideias de uma série
de mudanças e transformações necessárias à saúde. Sua composição era de
técnicos da saúde – médicos, enfermeiros, biomédicos… – e intelectuais,
partidos políticos, diferentes correntes e tendências e movimentos sociais
diversos. Ao fim da década de 1970, o movimento adquiriu certa maturidade em
função de uma série de estudos acadêmicos e práticos realizados,
principalmente, nas faculdades de Medicina. Nas universidades, o entendimento
de medicina se tornava cada mais social, pensando a saúde como uma série de
fatores que vão além do bem-estar do corpo humano.
De acordo com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), alguns dos
atores do movimento sanitarista foram os médicos residentes, “que na época
trabalhavam sem carteira assinada e com uma carga horária excessiva”, por
exemplo. Outras movimentações da Reforma Sanitária foram as primeiras greves
realizadas depois de 1968 e os sindicatos médicos, que também estavam em fase
de transformação.
“Esse movimento entra também nos conselhos regionais, no
Conselho Nacional de Medicina e na Associação Médica Brasileira – as entidades
médicas começam a ser renovadas. A criação do Centro Brasileiro de Estudos de
Saúde (Cebes), em 1976, também é importante na luta pela reforma sanitária. A
entidade surge com o propósito de lutar pela democracia, de ser um espaço de
divulgação do movimento sanitário, e reúne pessoas que já pensavam dessa forma
e realizavam projetos inovadores”, de acordo com a Fiocruz.
Enquanto a ditadura militar existia, o movimento sanitarista
foi “testando” uma série de hipóteses a respeito do seu entendimento de saúde.
Na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fundação Oswaldo Cruz são
colocados em prática diversos projetos “e pessoas que faziam política em todo
Brasil foram treinadas”. Os projetos envolviam:
– saúde comunitária;
– clínica de família;
– pesquisas
comunitárias.
Ao fim da ditadura, as propostas da Reforma Sanitária foram
reunidas num documento chamado Saúde e Democracia, enviado para aprovação do
Legislativo. Uma das conquistas foi a realização da 8ª Conferência Nacional da
Saúde em 1986. Pela primeira vez na história, foi possível a participação da
sociedade civil organizada no processo de construção do que seria o novo modelo
de saúde pública brasileiro.
Essa conferência foi tão importante pois desde o seu tema –
“saúde como direito de todos e dever do Estado” – teve como resultado uma série
de documentos que basicamente esboçaram o surgimento do Sistema Único de Saúde
(SUS). A conferência ampliou os conceitos de saúde pública no Brasil, propôs
mudanças baseadas no direito universal à saúde com melhores condições de vida,
além de fazer menção à saúde preventiva, à descentralização dos serviços e à
participação da população nas decisões. O relatório da conferência teve suas
principais resoluções incorporadas à Constituição Federal de 1988.
A Constituição de
1988 e a criação do SUS: o direito à saúde como dever do Estado
A Constituição Federal de 1988 foi o primeiro documento a
colocar o direito à saúde definitivamente no ordenamento jurídico brasileiro. A
saúde passa a ser um direito do cidadão e um dever do Estado – essa última
posição é problematizada pelo Dr. Dráuzio Varella por, na sua concepção,
retirar a responsabilidade do cidadão sobre o cuidado da própria saúde. A
Constituição ainda determina que o sistema de saúde pública deve ser gratuito,
de qualidade e universal, isto é, acessível a todos os brasileiros e/ou
residentes no Brasil.
O Sistema Único de Saúde foi regulado posteriormente pela
lei 8.080 de 1990, em que estão distribuídas todas as suas atribuições e
funções como um sistema público. Você poderá ler sobre o SUS em diversos outros
textos na nossa trilha sobre saúde pública.
Referências
Raio-X da Saúde no Brasil – Dráuzio Varella; Sistema de
Saúde no Brasil – Dráuzio Varella; Fiocruz – 500 anos de história da saúde
pública no Brasil; Confederação das Santas Casas de Misericórdia (CMB) –
História das santas casas; Revista de Medicina da Universidade de São Paulo:
Marcos legais da promoção de saúde no Brasil – Fernando Mussa Abujamra Aith;
Artigo: A saúde pública no Brasil – Dr. Gilson Carvalho; Origens da saúde
pública no Brasil– Professor Doutor Marco Antônio Moreira Galvão; Movimento Sanitarista
– Fiocruz; MV – Sistemas de saúde – Relato da história da saúde pública no
Brasil; Alunos Online (UOL) – Modernização, expulsão e reurbanização do Rio de
Janeiro; Pense SUS – Reforma Sanistarista; AS ARTES DE CURAR: HIGIENE E
EDUCAÇÃO MÉDICA NA SOCIEDADE – Carolina
Fuzaro Bercho*; FGV – CPDOC – Institutos
de Aposentadorias e Pensões.
Tempos de escala da Cidade e do Urbanismo – Brasília 2014:
Amanda Lima dos Santos Carvalho. O Rio de Janeiro a partir da chegada da Corte
Portuguesa: Planos, Intenções e Intervenções no século XIX. In: PEIXOTO, Elane
Ribeiro; DERNTL, Maria Fernanda; PALAZZO, Pedro Paulo; TREVISAN, Ricardo
(Orgs.) Tempos e escalas da cidade e do urbanismo: Anais do XIII Seminário de
História da Cidade e do Urbanismo. Brasília, DF: Universidade Brasília-
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, 2014 .
Contato
com este blog: conslocsaudepompeia@gmail.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário