Diante da contaminação
de petróleo que atinge o litoral do Brasil desde agosto, e que já alcançou
todos os estados da região Nordeste, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva
(ABRASCO) vem a público endossar o posicionamento dos pesquisadores do Programa
de Pós-Graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho da Universidade Federal da
Bahia, que recomenda às autoridades a declaração de Estado de Emergência em
Saúde Pública.
PELA DECLARAÇÃO DE ESTADO DE
EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA PARA CONTROLE DOS RISCOS DECORRENTES DA MAIOR
TRAGÉDIA DE CONTAMINAÇÃO PELO PETRÓLEO NA COSTA DO BRASIL
A situação de Emergência Ambiental nos estados do Nordeste é
essencial para o controle do desastre/crime identificado em 30 de agosto de
2019, que resultou no grande derramamento de petróleo que atinge o litoral da
região Nordeste do país. Entretanto, há necessidade de intervenção complementar
do Setor Saúde e, para isso, se propõe que seja declarado Estado de Emergência
em Saúde Pública pelas seguintes características:
1 – O óleo bruto ou petróleo é uma substância líquida
oleaginosa formada por uma mistura complexa de hidrocarbonetos que agrupa
principalmente Hidrocarbonetos Policíclicos Aromáticos, conhecidos como HPA’s
ou PAHs. Os riscos toxicológicos envolvidos são graves, agudos e crônicos, com
atenção especial para frações tóxicas do petróleo que podem levar à morte por
intoxicação, especialmente associada aos compostos aromáticos. Entre os componentes
mais tóxicos estão o benzeno, tolueno e xileno. O benzeno é uma substância
química cancerígena, pode causar má formação fetal e patologias graves e
potencialmente fatais como câncer e aplasia de medula. A gravidade da exposição
se verifica pela possibilidade de absorção desses produtos por ingestão,
absorção pela pele íntegra, inalação que pode atingir sistemas nervoso,
hematopoiético/imunológico, respiratório, causar lesões na pele, alterações
hepáticas, hormonais, infertilidade, dentre outros. Portanto, equipamentos de
proteção individual devem ser utilizados nas situações emergenciais, com
qualidade e orientação e não eliminam ou controlam situações de exposição
crônica. Deve ser considerada ainda a exposição potencial às gestantes
pescadoras/marisqueiras e voluntárias nas atividades de limpeza das praias com
presença de petróleo, considerando que há risco de má formação fetal provocado
por derivados do petróleo, principalmente o benzeno.
2- As manchas de óleo bruto colocam em risco à saúde de 144 mil
pescadores artesanais do Nordeste do país, segundo o IBAMA. Pescadores e
pescadoras trabalham em jornadas que podem alcançar noventa horas por semana,
na extração e beneficiamento dos mariscos e pescados. Diante da situação de
vulnerabilidade econômica, eles não dispõem de equipamentos de proteção
individual, acesso aos serviços de saúde para realizar exames periódicos quando
há exposição crônica aos agentes químicos, além da dificuldade de obtenção de
informações e orientações fidedignas. Nessa população, é frequente a presença
de crianças, adolescentes e gestantes nas atividades em manguezais e praias,
cujas condições de vida agravam possíveis efeitos toxicológicos. Trata-se,
portanto, de perigo potencial de natureza ocupacional em número expressivo de
trabalhadores submetidos a longas jornadas de trabalho, com acesso
negligenciado à proteção à saúde ocupacional e ambiental, cuja situação de
descaso persiste e se agrava nestas condições atuais da ocorrência do desastre
de derramamento de petróleo.
3 - Milhões de pessoas frequentam praias, consomem pescados
e mariscos e, até a presente data, não há uma ação efetiva do Sistema de
Vigilância em Saúde para garantir Segurança Alimentar e Nutricional a esta
população. Também deve-se evitar a produção de notícias falsas – fake news -
que têm agravado mais ainda o estado de desinformação da população. Por
decorrência, tanto a segurança à saúde como a alimentar não estão sendo objetos
de ação eficaz da estrutura sanitária nos níveis Federal, Estaduais e Municipais
de saúde, resultando em consequências desastrosas, a exemplo de notícias
veiculadas que indicam a suspensão generalizada do consumo de mariscos e
pescados em todo Nordeste.
4 – O apelo
generalizado ao voluntarismo - mobilizando milhares de pessoas desprotegidas
para retirada das manchas de óleo, muitas vezes manualmente e sem orientações e
equipamentos necessários - reflete a falta de recursos financeiros e humanos,
associados à fragilidade organizacional das ações de saúde. São homens,
mulheres, muitas gestantes e crianças tomados pela sensibilidade do malefício
desse crime ecológico, ao atuarem desordenadamente na limpeza da praia podem se
contaminar e agravar o risco de adoecimento.
5 – A indisponibilidade de recursos financeiros suficientes
para ações emergenciais das equipes de saúde, em todos os níveis
governamentais, resulta em improvisos e práticas insuficientes para responder a
dimensão do evento sanitário. Somam-se a inércia de vários órgãos da saúde, a
ação insuficiente de outros e a ausência de protocolos e planos de
contingenciamento que podem magnificar os efeitos dos produtos tóxicos
envolvidos.
6 – A falta de participação das lideranças de pescadores
artesanais nos comandos oficiais de atuação na emergência ambiental exclui
sujeitos decisivos para avaliação e controle eficaz da situação. A riqueza
cultural fenomenal dos saberes tradicionais dessa categoria de pescadores
presentes em todas as áreas atingidas do litoral do país pode contribuir com as
ações de controle dos riscos, do suporte às medidas de saúde e de proteção ao
ambiente degradado.
Diante dos riscos potenciais para número expressivo de
populações vulneráveis potencialmente expostas, da insuficiência das ações, da
desorientação sanitária e demais consequências, pode-se considerar que existe
uma situação de calamidade que requer uma intervenção imediata, ampla,
coordenada e com suporte legal do Setor Saúde.
Desse modo, propõe-se que seja DECLARADO ESTADO DE EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA com base na PORTARIA N.
2.952 DE 14/12/2011 do Ministério da Saúde. Esta Portaria “regulamenta, no
âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Decreto nº 7.616, de 17 de novembro
de 2011, que dispõe sobre a declaração de Emergência em Saúde Pública de
Importância Nacional (ESPIN) e institui a Força Nacional do Sistema Único de
Saúde (FN-SUS) e deve ser aplicada em situação que demande o emprego urgente de
medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde
pública, particularmente na alínea “b”:
“Situação de
desastre: evento que configure situação de emergência ou estado de calamidade
pública reconhecido pelo Poder Executivo federal nos termos da Lei nº 12.340,
de 1º de dezembro de 2010, e que implique atuação direta na área de saúde
pública”.
Essa situação de EMERGÊNCIA EM SAÚDE PÚBLICA para o
controle dos riscos e efeitos à saúde decorrentes da contaminação pelo petróleo
no litoral do Nordeste poderá assegurar, dentre outras medidas: - Organização
imediata das ações em saúde no âmbito Federal – Ministério da Saúde – Estaduais
e Municipais para mobilizar a Vigilância em Saúde e respectivamente a
Vigilância Sanitária, Vigilância em Saúde Ambiental; Vigilância em Saúde do
Trabalhador; A mobilização organizada e planejada dos Centros de Referências em
Saúde do Trabalhador – CEREST e Equipes de Unidades de Saúde da Família que
atuem em regiões litorâneas para, ao menos:
1 – Adotar medidas urgentes no âmbito da saúde dos
pescadores e marisqueiras para mapear todas as praias e manguezais com presença
do petróleo que coloca em risco a atividade ocupacional de mariscagem e pesca
artesanal;
2 - Interditar as atividades de mariscagem em todas as
praias e manguezais com presença de petróleo/óleo que apresentem risco para a
saúde dos pescadores/marisqueiros, assegurando o defeso sanitário para todas as
famílias envolvidas e orientar o afastamento imediato de mulheres
pescadoras/marisqueiras gestantes das áreas mapeadas e com presença de
petróleo.
3 – Organizar processos de controle sanitário e de segurança
alimentar e nutricional que especifique o risco real de consumo de mariscos e
pescados para população apenas em áreas ou situações atingidas pelo desastre e
proteja o consumo seguro, evitando pânico e condutas sem fundamentos técnicos.
4 – Acionar o mais rápido possível as instituições públicas,
Universidades Públicas, Centros de Pesquisas, de forma integrada, considerando
o caráter intersetorial inscrito na complexidade das ações exigidas.
5 - Estabelecer
seguro defeso de natureza sanitária para todos pescadores/marisqueiros
atingidos.
6 – Organizar medidas de Monitoramento do Risco Ambiental e
da Assistência à Saúde para a proteção da Saúde dos Trabalhadores na Pesca
Artesanal – Marisqueiras, considerando que existe a necessidade de mapear e
monitorar o risco ambiental para exposição ao petróleo, hidrocarbonetos
aromáticos e seus derivados, e liberar áreas de mariscagem atingidas somente
após garantia da inexistência dos riscos, pois há muitos componentes solúveis
no petróleo que permanecem nas águas e mariscos depois da retirada do óleo.
Importante afirmar que deve ser feito todo esforço para
atuação da Atenção Básica à Saúde no sentido da avaliação de saúde nas
marisqueiras e pescadoras nas Unidades de Saúde da Família por meio de exames
toxicológicos e clínicos/periódicos, nas situações em que houver exposição
ocupacional aos componentes do petróleo.
Finalmente, é necessário assegurar a participação de
organizações representativas dos pescadores e pescadoras artesanais em todas
essas ações para garantir a efetividade das mesmas.
Salvador, 23/10/2019.
PROGRAMA
DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SAÚDE, AMBIENTE DE TRABALHO -PPGSAT/FMB/UFBA.
Contato com este blog: conslocsaudepompeia@gmail.com.
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